Em palestra sobre saúde mental realizada pela Secretaria da Saúde (SMS) do Rio Grande para profissionais que atuam nas UBSFs do município, a psicóloga e professora da área de Psicologia na FURG, Beatriz Schmidt abordou vários temas referentes ao pós-enchente de maio. A atividade ocorreu no Salão Nobre da Prefeitura, semana passada, quando a profissional apresentou que tipos de reações emocionais são esperadas para todas as pessoas, especificamente, para trabalhadores da Saúde. Ela também fez recomendações gerais para cuidados em saúde mental na Atenção Primária da Saúde e, entre outros aspectos, citou a necessidade de se pensar em ações intersetoriais, considerando tanto a fase de resposta e reconstrução pós-desastre, como as fases de prevenção, mitigação e preparação, na perspectiva da Gestão Integral de Riscos e Desastres.
Psicóloga voluntária da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (FN-SUS), atuando no apoio técnico à estratégia de saúde mental e atenção psicossocial na fase de resposta ao desastre hidrológico gerado pelas fortes chuvas ocorridas no Rio Grande do Sul em maio, Beatriz Schmidt colaborou na produção de materiais didáticos da série "Saúde Mental e Atenção Psicossocial em Desastres" do Ministério da Saúde.
Na palestra na Prefeitura, Beatriz Schmidt fez a apresentação do trabalho “Saúde Mental e Atenção Psicossocial em Desastres”, assinado em conjunto com outras duas psicólogas da FURG, Vanessa Andina e Ana Furlong. A professora Vanessa Andina também esteve presente no evento na Prefeitura e contribuiu com a apresentação. Após a palestra, Beatriz Schmidt respondeu alguns questionamentos sobre a enchente de maio, suas consequências e aprendizados em saúde mental. Confira abaixo.
A que tipos de perdas podemos associar os desastres?
Os desastres geralmente se associam a múltiplas perdas: bens materiais, objetos de valor pessoal, moradia, trabalho, renda, estradas, espaços de convívio comunitário, propriedades rurais, animais de estimação ou utilizados para trabalho, além de vidas humanas. Nesse sentido, eventos extremos desestabilizam atividades cotidianas, planos para o futuro e sonhos de muitas pessoas. Portanto, diante de um contexto de rápidas e diferentes transformações, é possível que ocorram repercussões à saúde e ao bem-estar de indivíduos e comunidades.
Quais são as principais reações emocionais esperadas, depois de 30 a 90 dias pós-enchente?
Após a exposição a um evento extremo, algumas reações emocionais e comportamentais são esperadas: raiva, tristeza, preocupação quanto ao futuro, dificuldades para dormir, alterações gastrintestinais e no apetite. A maioria das pessoas experimentará essas reações emocionais e comportamentais, que deixarão de ocorrer naturalmente, sem a necessidade de intervenções especializadas. Ou seja, transcorrido um período inicial da exposição ao evento extremo (que, em grande parte dos casos, é em torno de 30 dias, podendo chegar a 90 dias), a maioria das pessoas assimilará o que ocorreu, sem o desenvolvimento de quadros psicopatológicos. Em alguns casos mais específicos, porém, será necessário apoio especializado em saúde mental. É importante que esses prazos não sejam pensados de forma rígida, especialmente quando se trata de moradores de territórios que permaneceram por várias semanas (ou ainda permanecem) alagados.
Qual aprendizado o período da enchente deixa para quem é profissional da Saúde?
Eventos extremos afetam diferentes dimensões da vida de indivíduos e comunidades. Por isso, é necessário pensar em ações intersetoriais (ex.: Saúde, Educação, Assistência Social, Habitação, Direitos Humanos, Defesa Civil), nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), considerando tanto a fase de resposta e reconstrução pós-desastre, como também as fases de prevenção, mitigação e preparação, na perspectiva da Gestão Integral de Riscos e Desastres.
É preciso inserir a Saúde na discussão sobre reconstrução urbana?
Sim, além da reconstrução urbana, é fundamental inserir, também, no Plano Diretor, no Plano de Contingência, etc. Destaco também a importância da inclusão de disciplinas sobre Emergências e Desastres na formação de profissionais da saúde, bem como a capacitação para a prestação de Primeiros Cuidados Psicológicos.
Quais recomendações podem ser sugeridas para cuidados em saúde mental na Atenção Primária de Saúde?
No contexto de desastres, as ações para cuidados em saúde mental na Atenção Primária à Saúde (APS) se baseiam sobretudo em dispositivos coletivos (atendimentos individuais devem ser restritos a casos específicos, de modo breve e circunscrito). São exemplos de ações na APS: ofertar informações claras e precisas; assegurar o atendimento às necessidades básicas; reconhecer o sofrimento vivido; oferecer cuidados não-invasivos, com ênfase à escuta e à oferta de suporte emocional. Também é fundamental incentivar uma relação próxima entre as pessoas atingidas e sua rede de apoio (família, comunidade), com compartilhamento de emoções (medo, raiva, tristeza).
Como você avalia o fortalecimento da ajuda mútua entre membros das comunidades afetadas?
É bastante importante o fortalecimento da ajuda mútua e da solidariedade entre os membros das comunidades afetadas, pois isso promove o senso de pertencimento e propósito diante de adversidades, além de proporcionar conforto. Entendo que os profissionais de Saúde têm muito a contribuir na reconstrução da esperança e dos projetos de vida, tanto dos indivíduos quanto das comunidades.
Por Prefeitura de Rio Grande
Foto Prefeitura de Rio Grande